Qualquer professor universitário que tenha trabalhado como corretor de provas em uma faculdade particular qualquer sabe quais são as diretrizes implícitas nesse processo: devemos aprovar o maior número possível de alunos. A conseqüência mais imediata dessa lógica é a criação de uma “aporia” (um impasse, um caminho sem saída) com a qual todos nós, professores, devemos lidar: como ensinar conteúdo complexo a alunos que, em sua maioria, mal conseguem ler e entender um texto simples? Como ensinar, por exemplo, “Filosofia da educação”, “Direito Penal” ou (o que é pior) “Álgebra linear” a alunos que são, visivelmente, “analfabetos funcionais”?
O resultado inevitável dessa situação é a evasão. Muitas vezes, a dificuldade para acompanhar o curso obriga esses alunos a trancarem suas matrículas. Até aí, nenhuma novidade, apenas um “ajuste” inevitável sobre uma situação absolutamente insustentável. Mas o problema é que os professores são responsabilizados por essa evasão. E os alunos, quando consultados acerca da “competência” do professor, argumentam que ele “não sabe passar a matéria”. Ora, não existe uma “maneira certa” de se ensinar conteúdos complexos a alunos analfabetos funcionais ou com graves dificuldades de aprendizagem. Não somos mágicos. Professores do ensino superior privado também não são “alfabetizadores”. Não é essa nossa função, e mesmo que fosse não seria possível alfabetizar alunos ensinando “cálculo infinitesimal” ou “psicopatologia geral”. Não quero com isso responsabilizar esses alunos pelos seus problemas ou argumentar que se trata de algum tipo de “deficiência congênita”. Sei que todo esse problema é fruto de um ensino fundamental e médio deficientes. E é exatamente aí que reside minha preocupação.
Muitos desses alunos conseguirão se formar apesar dessas deficiências; boa parte deles em cursos como Letras e Pedagogia. E o curso de Pedagogia, como sabemos, é exemplar: os alunos que não desistem logo no primeiro semestre (lógica que se aplica a quase todos os cursos), apesar de graves deficiências e graças à condescendência de seus professores (que não querem ser responsabilizados pelo fracasso dos alunos) conseguem se formar. Apoiados no conteúdo das revisões que antecedem as provas e geralmente sem terem lido um único livro ao longo de toda a graduação, mesmo assim eles conseguem se formar. Em parte, é claro, por nossa culpa. Nós, professores, vivemos sempre um "dilema moral" no período de provas: seguimos nossas consciências e reprovamos boa parte dos alunos (nos submetendo assim à uma avaliação negativa); ou aprovamos quase todos eles (escapando das suspeitas da instituição acerca de nossa "competência" ao garantirmos a estima dos alunos). A "empresa" quer clientes satisfeitos e os alunos/clientes querem notas boas mesmo não tendo assimilado a matéria. Eis aí a fórmula para a desgraça educacional.
Pois bem, aquilo que mais preocupa nesse processo é que serão esses alunos (e dentre eles muitos analfabetos funcionais milagrosamente diplomados) os “educadores” de nossos filhos. Desnecessário dizer que com isso alimentamos o circulo vicioso que tem inicio na educação fundamental e que se encerra no ensino superior privado, para retornar, lamentavelmente, ao ensino fundamental.
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