segunda-feira, 25 de junho de 2012

Demora na entrega de diplomas gera transtornos a egressos

Anhanguera - Demora na entrega de diplomas gera transtornos a egressos

14-06-2012 | 12h35min

Por: Osiris Reis
osiris@diariopopular.com.br   

Você já imaginou estudar durante anos e após sua graduação não poder exercer sua profissão? Esse é o dilema vivido por alguns alunos do curso de Enfermagem da Faculdade Anhanguera, de Pelotas. Mesmo após terem sido aprovados em todas as disciplinas e cumprido com todas as obrigações exigidas pelo curso, alguns alunos ainda não conseguiram se integrar no mercado de trabalho. Atrasos na emissão dos documentos impossibilitam os egressos de realizarem seus cadastros no Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren).

Esse problema vem sendo enfrentado por Roger Pacheco, de 33 anos, graduado desde agosto de 2011. A requisição foi solicitada no dia 5 de setembro do mesmo ano. Desde então, ele ou a esposa vão à instituição periodicamente para saber sobre o andamento do processo. “Já estamos há nove meses esperando. O Roger já perdeu oportunidades de trabalho em Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas”, disse Liliane, a esposa.

Ela explica que cada vez que procuram a instituição são orientados a voltar em uma semana. Uma das satisfações dada ao aluno seria de que a entrega do documento, que viria de São Paulo, estaria atrasada. O estranho é que bastou o contato da reportagem com a faculdade durante a tarde para que o diploma fosse entregue ao aluno. A justificativa da instituição é de que o atraso aconteceu devido a uma mudança em uma portaria do Ministério da Educação (MEC), portanto o documento precisou ser alterado.

Enfermeira sem profissão
O caso se repete com a egressa Ágatha Tortelli, de 25 anos, moradora do Fragata e graduada desde março de 2012. Ela conta que não pode exercer a profissão, já que necessita estar cadastrada no Coren para ser aceita em qualquer local de trabalho. Atualmente não é mais possível cadastrar-se no conselho apresentando somente o atestado de conclusão do curso, que pode ser emitido antes do diploma. “Eu sou uma enfermeira sem profissão”, lamenta a jovem que procura emprego em outras áreas. Ágatha diz que conhece uma dezena de colegas que enfrentam o mesmo problema.

Quando finalmente colocar as mãos no diploma, afirma que irá procurar emprego no Sistema Único de Saúde (SUS). Revela que é apaixonada pela área. A assessoria da faculdade justifica-se, dizendo que a emissão do documento está dentro do prazo de oito meses.

Prazos
De acordo com o MEC, a legislação brasileira não estabelece um prazo para a emissão do diploma. Neste caso, aplica-se o Código Civil brasileiro, ou seja, a instituição precisa ser interpelada formalmente (escrita ou protocolar) pelo interessado.

http://www.diariopopular.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?id=3&noticia=53393

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Débâcle da educação superior: a ponta do iceberg

30/05/2012 - 17:05


Os professores da Universidade Gama Filho e da UniverCidade encerraram semana passada uma greve, pois o pagamento dos salários encontrava-se atrasado e a administração das duas instituições demitira de uma só vez 600 profissionais. Essas demissões, entretanto, foram revertidas pela justiça devido a uma ação impetrada pelo Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio).

Fato significativo é que as duas instituições aumentaram em até 40% o valor de suas mensalidades este ano (há informações de que as haveria revisto, mas sem confirmação). Diante dessas atitudes inexoravelmente surgem as perguntas: terão essas duas instituições capacidade para educar? Qual a qualificação da atual direção para ensinar? Ensinar o quê?

O que permeia as atitudes de sua direção é o interesse pelo lucro, escondido em meio a burocracia que domina o país e a uma política educacional para o nível superior nefasta, que desde a ditadura militar-empresarial vem se agravando.

No ano passado, o grupo financeiro Galileo comprou as duas instituições. Como apenas a Universidade Gama Filho preenchia os requisitos necessários exigidos pelo Ministério da Educação, incorporou a UniverCidade, antes apenas um centro educacional. Assim as duas podem atuar de forma ampla, sem aumento dos custos. Seus mentores demitiram vários professores com doutorado e mestrado, exigência para cumprir as determinações do MEC.

Tudo isso foi feito em meio a um processo de "capitalização" do grupo, pois seu capital social inicial era de apenas R$ 10 mil. Para conseguir recursos lançou bônus no mercado e conseguiu, em curto espaço de tempo, atingir a cifra de R$ 100 milhões. Isso mesmo: R$ 100 milhões.

Os recursos foram obtidos principalmente junto a alguns bancos privados. Uma das garantias ofertadas foram as matrículas dos estudantes de Medicina (denominados de estoque de alunos). Calcularam o número de estudantes matriculados multiplicado pelo valor das mensalidades. A alta cifra é uma das garantias bancárias. A denúncia é do Sinpro-Rio, que destacou profissionais e professores para estudar o ensino superior privado no Brasil já há algum tempo e, no caso particular, o grupo Galileo.

Não satisfeita, a direção do grupo Galileo investe justamente contra o ensino de Medicina. Tenta transferir as aulas ministradas na Santa Casa, renomado hospital público localizado no Centro do Rio de Janeiro, para um hospital de propriedade do grupo na Barra da Tijuca. Os professores médicos se recusaram a atender a essa exigência por entender que seria prejudicial aos seus pacientes, pois perderiam o atendimento; e ao aprendizado dos seus estudantes, que acompanham com eles esses mesmos pacientes. Além disso, não se pode transferir o local de trabalho de um trabalhador à sua revelia. Devido a essa atitude, o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro entrou em ação e está atuando em parceria com o Sinpro-Rio.

Várias assembléias, manifestações, passeatas, atos e até mesmo uma aula pública já foram realizados por estudantes e professores, algumas vezes juntos, sem que a direção do grupo Galileo se sensibilize e entenda que não pode impor sua meta de lucro à revelia da eficiência administrativa, do bom senso e principalmente da Educação.

O fato não é isolado no Brasil. Em São Paulo, o grupo Anhanguera também vem caminhando em direção a uma clara política de financeirização da Educação Superior, que traz amplo prejuízo para o ensino.

O Sinpro-Rio, com apoio da Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro (Feteerj), já denunciou essas irregularidades ao MEC e à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Aguarda-se que alguma atitude firme seja adotada pelos responsáveis.



Afonso Costa

Jornalista.
http://www.monitormercantil.com.br/mostranoticia.php?id=113502

Educação que dá dinheiro


Por NAIANA OSCAR, estadao.com.br, Atualizado: 11/06/2012 03:08

A tirar pela lista de convidados, o aniversariante era importante. Entre donos de universidades particulares de Norte a Sul do Brasil, políticos, conselheiros de educação, ex-alunos e banqueiros, a festa de aniversário do professor Gabriel Mário Rodrigues reuniu quase 500 pessoas no dia 27 de maio em São Paulo. Aos 80 anos, ele se tornou unanimidade no segmento de ensino superior. É frequentemente descrito como um "visionário" e "conciliador" até por quem já teve de enfrentá-lo numa mesa de negociação.

Por estratégia, escuta mais do que fala. E quando está com a palavra, não perde a oportunidade de contar o que considera seu maior feito até hoje: o de ter criado o primeiro curso de graduação em turismo do mundo, ao fundar a faculdade do Morumbi em 1971 - hoje, Universidade Anhembi Morumbi. Mas não foi só a ousadia de ter inventado um curso novo que lhe garantiu tanto prestígio. Rodrigues é um dos empresários brasileiros que mais ganharam dinheiro com educação no País na última década.

Em dezembro de 2005, ao vender 51% de sua instituição de ensino para o grupo americano Laureate, o professor Gabriel, como é conhecido, desencadeou uma onda de consolidação no setor que se estende até hoje e está longe de terminar. Só no ano passado, 22 aquisições movimentaram quase R$ 2,1 bilhões. E 2012 começou com uma dezena de negociações em andamento. Há duas semanas, foi anunciada a maior delas (até agora): a Kroton Educacional, controlada pelo fundo de private equity Advent, comprou a rede catarinense Uniasselvi, por R$ 510 milhões. Em dezembro, a mesma Kroton já havia feito a maior aquisição da história do setor - pagou R$ 1,3 bilhão e levou a Universidade do Norte do Paraná.

É muito mais do que os R$ 300 milhões que Rodrigues recebeu, em 2005, para se desfazer do controle da Anhembi Morumbi, uma rede que hoje tem 29 mil alunos e seis câmpus na capital paulista. Perto das gigantes do setor, que já têm mais de 400 mil alunos, é um negócio bem modesto.

O que pouquíssimas pessoas sabem é que o homem que inventou a primeira graduação em turismo é também o responsável pelo fenômeno Anhanguera - rede que abriu capital em 2007 e se tornou em cinco anos um dos maiores grupos de educação do mundo, com 444,7 mil alunos.

Quando a estrutura da Anhanguera se resumia a oito câmpus no interior de São Paulo, Rodrigues entrou com o dinheiro e adquiriu 50% de participação na rede. Hoje ele é o maior investidor individual da companhia - embora prefira que ninguém saiba. Para evitar constrangimentos com o sócio americano da Anhembi Morumbi (de certa forma, concorrente da Anhanguera), Rodrigues não gosta de tocar no assunto. Não fosse uma caneta com o símbolo da "concorrente" sobre a mesa do gabinete nem daria para desconfiar que ele está por trás da maior rede do País.

http://estadao.br.msn.com/economia/educa%C3%A7%C3%A3o-que-d%C3%A1-dinheiro

Obs.: Provavelmente foi assim que surgiu um boato que a Anhembi Morumbi compraria da Anhanguera a Uniban.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ensino a distância não é uma solução, e sim outro problema a ser superado

22/05/2012

Otaviano Helene *

Em qualquer direção que se olhe o cenário da educação no Brasil, há algum projeto "salvador" que serve como uma espécie de barreira a dificultar uma análise objetiva da realidade. Como em uma batalha, esses inúmeros projetos funcionam como proteção dos muitos flancos frágeis de nossa política educacional. Qualquer análise crítica pode ser "respondida"  apontando-se para algum desses projetos e afirmando-se que ele permitirá superar o problema analisado, bastando esperar. E sempre que um projeto se mostra inoperante, outro surge para ocupar seu lugar.

Um desses projetos, o Ensino à Distância (EaD) em nível superior, é apresentado como uma solução, em especial para a falta de professores no país. Entretanto, como veremos, é, de fato, um enorme problema.

O EaD cresceu de forma muito expressiva ao longo da década de 2000, passando de pouco mais do que seis mil vagas para 1,7 milhão de vagas em 2010, número praticamente igual ao de concluintes do ensino médio, que foi da ordem de 1,8 milhão em 2010 (1). Não há nenhum sentido nisso, ainda mais se considerarmos que o número de vagas em cursos presenciais é muito superior ao número de formados no ensino médio. Quem ganha com isso é certamente o setor privado, que detém mais do que 97 % das vagas em EaD, conquistando, assim, um enorme poder de barganha e de pressão sobre ações que eventuais órgãos de controle do sistema educacional possam vir a ter no futuro para corrigir a distorção criada.

Quem oferece EaD e para que áreas?
Nos processos de estudo, ensino e aprendizado, não devemos abrir mão de nenhuma possibilidade: aulas expositivas, laboratórios, estudos individuais ou em grupo, apostilas, listas de exercício, visitas a museus, consultas a bibliotecas etc. Os instrumentos de ensino à distância, sejam na forma de emails, telefonemas, sites, vídeos, sons, ambientes virtuais, blogs etc., também podem e devem ser usados. Portanto, não há nada contra o ensino à distância como um instrumento a mais que possa favorecer o processo de aprendizado.

No entanto, isso que foi dito acima nada tem a ver com a forma que o EaD se instalou no Brasil: entre nós, o EaD não é algo a mais para se oferecer aos educadores e educandos, mas algo que pretende substituir o ensino presencial, em especial no que diz respeito à formação de professores.

De fato, a maior parte das vagas oferecidas no EaD é na área de Educação (36% delas), que inclui a formação de professores nas diversas modalidades. A área de Gerenciamento e Administração ocupa o segundo lugar, com 31% das vagas, apesar de uma das distorções do sistema de ensino superior brasileiro ser exatamente o fato de a proporção de estudantes e formados nessas áreas ser excessivamente alta quando comparada com o que ocorre nos demais países. Ciências Sociais, Computação, Serviço Social e Contabilidade têm, cada uma, cerca de 5% das vagas.

Áreas com maior prestígio social e maior controle por parte de conselhos de classe e de outros órgãos ou ministérios além do MEC (como ocorre com cursos na área de saúde) têm uma participação nas vagas bem menor ou mesmo nula. Assim, a área de Engenharia, apesar da importância da profissão para o desenvolvimento do setor produtivo, a reconhecida carência desses profissionais e a grande procura por parte dos estudantes, tem menos do que 1% das vagas oferecidas em EaD. Enfermagem também tem menos do que 1% das vagas e Odontologia e Medicina, nenhuma.

Evidentemente, poder-se-ia argumentar que é natural que Medicina e Odontologia sejam incompatíveis com o EaD por exigirem uma experiência prática com pessoas; mas o mesmo argumento não valeria para Enfermagem? E para professores, cuja totalidade da vida profissional será em contato direto com pessoas (os estudantes), o argumento não seria ainda mais forte? E para professores nas áreas de Biologia, Física e Química, como formá-los sem um intenso contato com práticas experimentais e de laboratório?

Não restam dúvidas de que as proporções das vagas oferecidas em EaD não estão relacionadas às necessidades nacionais de profissionais, mas, sim, são em número tão maior quanto mais frágil e menos controlada é a profissão e mais "vendável" for o curso.

A quem se destina o EaD no Brasil, hoje
As argumentações em defesa do EaD no Brasil são baseadas em uma série de erros de avaliação ou de desconhecimento do por quê a realidade é como é. Uma constante nas justificativas do EaD é a necessidade de professores no país, em especial de professores para o ensino médio e as séries finais do ensino fundamental. A premissa é correta: realmente, faltam professores em salas de aula, em especial nas escolas públicas, e os que atuam são sobrecarregados. Mas qual a causa disso? É realmente a falta de professores formados ou a impossibilidade de formá-los em cursos presenciais?

A resposta a essa última pergunta é não. Não é verdade que não existam professores em quantidade suficiente para atender à demanda: eles e elas existem, mas cerca de um milhão de pessoas com cursos de licenciatura estão fora das salas de aula. Esse número de professores que não se dedicam ao ensino corresponde a cerca de 70% das pessoas que concluíram cursos de licenciatura nos últimos 25 anos e que, portanto, estão na idade profissionalmente ativa. E a explicação para esse fato é fornecida pelas condições de trabalho, pelo baixo prestígio da profissão, pelo desrespeito profissional que sofrem até mesmo por parte das pessoas responsáveis pela execução das políticas educacionais do país e pelas condições salariais.

Há apenas duas únicas áreas em que o número de professores é inferior à demanda: Física e Química. Mas, mesmo nessas duas áreas, há um enorme número de professores formados fora das salas de aula. Grande parte deles poderia ser incorporada ao quadro de professores ativos caso houvesse melhores condições de trabalho. Se na média de todas as áreas cerca de 70% dos licenciados formados não dão aulas, em Física esse percentual chega a 75% e em Química, a 80%.

A falta de professores não é, portanto, devido a uma real inexistência de pessoas formadas e nem mesmo falta de vagas em cursos de licenciatura presenciais ou de jovens interessados pela profissão. Mesmo nas duas áreas citadas acima, Química e Física, além de haver um grande número de formados fora das salas, há uma possibilidade de formação de um número significativamente maior em cursos presenciais. A procura de jovens por cursos superiores que levem à formação de professores nas áreas de Física e Química é maior do que a média de todas as profissões: como mostra a tabela, mais de 60% das vagas oferecidas nos cursos de formação de professores de Física e Química são ocupadas, porcentagem significativamente superior à média em todas as áreas, da ordem de 51%. O problema surge posteriormente, no abandono durante o curso: enquanto a relação entre concluintes e ingressantes é 52% em todas as áreas, em Física e Química as relações são de 26% e 38%, respectivamente. Conclusão: há jovens interessados; entretanto, e possivelmente alertados pelas condições salariais e de trabalho que encontrarão pela frente, grande parte deles abandona seus sonhos. E, finalmente, como já dito, cerca de 75% a 80% dos formados estão fora das salas de aula.

Portanto, se conseguíssemos preservar boa parte desses candidatos a professores de Química e Física, em poucos anos superaríamos a deficiência de professores nessas áreas, um tempo certamente inferior ao tempo já decorrido desde que experiências com EaD, como a Universidade Aberta do Brasil (federal) ou a Univesp (no estado de São Paulo), começaram a ser implantadas.O problema de formação de professores, portanto, é bem diferente daquele que os defensores do EaD dizem que esse sistema solucionará.
Vagas, ingressantes e concluintes em cursos presenciais

Vagas oferecidas
Ingressantes
(porcentagem em
relação às vagas)
Concluintes
(porcentagem em relação
aos ingressantes)
Física
10.630
6.712 (63%)
1.751 (26%)
Química
15.738
9.487 (60%)
3.573 (38%)
Todos os cursos superiores
3.120.000
1.590.000 (51%)
829.300(52%)



Talvez o EaD seja um bom exemplo de uma coisa que acontece freqüentemente no Brasil: quando um problema é localizado, ao invés de se tratar de resolvê-lo ou, pelo menos, reduzi-lo, tenta-se tirar proveito dele. Assim, há um enorme interesse por parte das instituições de ensino privado no sentido de explorar as possibilidades mercantis do EaD. E, para isso, nada melhor do que disfarçar esse interesse na forma de uma preocupação social, a formação de professores.

GRAFICO_fisica_quimica_vagas_ingressantes_concluintes_CORREIO_CIDADANIA_22_05_2012.jpg

Mais justificativas falsas em defesa do EaD
Embora seja o setor privado o grande beneficiário do EaD, o setor público tem colaborado, e muito, para defendê-lo e, ao oferecer, ele mesmo, cursos a distância, acaba por legitimar esse tipo de ensino. Vejamos alguns argumentos usados pelo setor público para defender o EaD.

Nos discursos e documentos, além dos argumentos relacionados à falta de professores, aparecem argumentos econômicos. Um deles, usado pelo governo estadual paulista e publicado na página eletrônica da então existente Secretaria de Ensino Superior, afirmava que o estado de São Paulo "investe 10% de sua receita líquida na educação superior", argumento que soa forte para justificar o EaD, em especial junto a uma população que tem pouca familiaridade com os temas relacionados aos detalhes dos orçamentos públicos e dos orçamentos das universidades. Levando em conta esses detalhes, verifica-se que os investimentos em ensino de graduação são inferiores à terça parte daquele valor! Ou seja, aquela é uma informação simplesmente falsa.

Outro argumento também repetido pelo setor público na defesa do EaD baseia-se na hipótese de  que as pessoas não têm acesso à educação presencial, o que torna necessário implantar o EaD. Ora, o EaD está sendo oferecido basicamente à população urbana, não havendo, portanto, o problema da distância. Se pessoas não têm acesso ao ensino presencial, não é por dificuldade de deslocamento, falta de tempo ou qualquer outra razão equivalente. A principal razão para explicar a "dificuldade de acesso" é a simples inexistência de vagas nas universidades públicas: no Brasil e, em especial, no estado de São Paulo, muitos dos estudantes matriculados em cursos à distância residem em municípios ou mesmo em bairros onde há instituições públicas de ensino superior presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente.

Se há jovens interessados e preparados que querem freqüentar cursos superiores e não podem fazê-lo por razões econômicas, devem ser usados instrumentos adequados de gratuidade ativa que os permitisse freqüentar cursos presenciais. O retorno social e econômico seria muito maior do que oferecer EaD.

Alguns problemas do EaD (2)
O EaD apresenta vários problemas de ordem acadêmica e social. Entre eles, estão a quase inexistência da possibilidade de programas de iniciação científica e a falta de perspectiva de prosseguir os estudos em nível de pós-graduação. No EaD, muito provavelmente os estudantes também não terão acesso fácil a boas bibliotecas nem ao necessário contato pessoal com outros estudantes e professores da mesma área e, muito menos, com estudantes e professores de áreas diferentes (ao freqüentarem disciplinas optativas ou encontrá-los nos espaços comuns, por exemplo), coisas fundamentais e uma das características essenciais das universidades.

No ambiente universitário presencial ocorre uma série de atividades extremamente importantes para a formação geral, tais como seminários, debates, cursos de extensão, diversas programações culturais, além da possibilidade de se freqüentar uma enorme gama de disciplinas. Essas atividades, bem como as aulas práticas e de laboratório, são inexistentes ou muito raras no EaD.

O ambiente universitário oferece oportunidades importantes para estudantes provenientes dos segmentos menos favorecidos (e que serão os principais usuários do EaD), como, por exemplo, o acesso a práticas esportivas, alimentação subsidiada, atendimento médico e odontológico, entre várias outras. No EaD, essas coisas ou não existem ou são de difícil acesso.

O EaD pressupõe que o processo de ensino e aprendizado ocorra, majoritariamente, em casa. Ora, o ambiente de moradia não é, em geral, um bom ambiente de estudo, em especial para jovens das camadas menos favorecidas, para os quais uma moradia isolada e silenciosa é algo simplesmente inexistente. As aulas presenciais, nas quais os estudantes ficam imersos em um ? e apenas um ? assunto, são fundamentais no processo ensino e aprendizado.

Adotar o EaD como substituto do ensino presencial poderá comprometer gravemente a qualidade da formação dos profissionais de que o país precisa. Os diversos países que usam o EaD, em proporções muito inferiores àqueles números citados anteriormente, o fazem direcionando essa forma de ensino àqueles que realmente não podem ter acesso ao ensino presencial, como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de locomoção, aqueles que trabalham em tempo integral (estes últimos, sobretudo nos países e em cursos nos quais a educação superior é exclusivamente, ou quase exclusivamente, em tempo integral), militares engajados, entre outros. No Brasil, entretanto, tem se adotado o EaD em substituição ao ensino presencial, o que poderá comprometer gravemente a qualidade da formação inicial dos profissionais, em especial se o profissional assim "formado" tiver que atuar na "formação" de outros profissionais, como é o caso do professor.

Em particular, formar professores por meio do EaD poderá comprometer duas gerações, a dos próprios professores formados e a de seus alunos. Além disso, contribuirá ainda mais para um rebaixamento dos critérios que a sociedade tem para julgar o que é e o que não é educação superior e ensino universitário.

Como transformar solução em problema
Atualmente, o Brasil tem um número de doutores já superior a 100 mil e talvez perto de 200 mil mestres que não completaram o doutoramento, perfazendo um total de 300 mil pessoas preparadas para a docência em nível superior. Esses profissionais têm plenas condições de contribuir com um ensino superior presencial de qualidade e o fariam com competência, pois foi para isso que se formaram. Entretanto, grande parte desse contingente é subutilizada, em especial os que concluíram a pós-graduação mais recentemente. Perder a oportunidade de associar o interesse e a capacidade de trabalho dessas pessoas às necessidades e possibilidades do país é um erro duplo: a um mesmo tempo, desperdiçamos os esforços feitos para formar essas pessoas e ofereceremos um ensino superior, via EaD, precário. Descartarmos a possibilidade de aproveitar os quadros já formados em nosso ensino superior presencial e enveredarmos pelo caminho do EaD não parece muito inteligente.

Os países desenvolvidos que adotam o EaD  o fazem como algo adicional à educação presencial, não como algo que a substitua. E as elites certamente não optam pelo ensino à distância, nem para a formação de seus jovens nem para a escolha dos profissionais que as assistem. E, também certamente, as profissões de maior prestígio social jamais considerariam a hipótese de optar pelo EaD.

Resolver velhos problemas é bem melhor do que criar novos
Atualmente, quase a metade dos jovens é obrigada a abandonar a educação básica antes da conclusão. Como menos da metade dos que a concluem o fazem no período diurno, podemos estimar que não mais do que um em cada quatro jovens termina a educação básica com as condições mínimas necessárias para a continuidade de seu processo educativo. Se, além desses fatores, considerarmos a precariedade das escolas públicas na maior parte dos casos, onde está a enorme maioria dos jovens que terminam a educação básica, concluímos que a fração de jovens que completa o ensino médio com bases suficientemente sólidas para continuar seus estudos é muito pequena. Dentro dessa dura realidade, o EaD nada resolverá. Ao contrário, oferecer EaD a um contingente de jovens que, já nas atuais circunstâncias, tem dificuldades em entender o que é um ensino universitário contribuirá para rebaixar ainda mais os critérios do que sejam um sistema e um processo educacional de formação humana, técnica, cultural, científica e social.

Oferecer uma aparente alternativa, na verdade um desvio, levará a reduzir, ainda mais, o aproveitamento da capacidade intelectual de nossos jovens e não resolverá o problema da exclusão, apenas mudará a forma pela qual ela ocorre. Não é preciso ser um especialista em Brasil para perceber que o EaD é destinado aos mais pobres e cujos filhos terão professores formados, também, à distância.

Com certeza, não é isso que queremos. Tendo deixado o EaD aparecer nessa quantidade, descontroladamente e quase totalmente dominado pelo setor privado mercantil, passamos a ter mais uma tarefa pela frente: lutar para reverter essa situação.

E cabem algumas perguntas finais. Por que os órgãos responsáveis permitiram que o EaD atingisse as enormes proporções que atingiram? Por que governos legitimam o EaD da forma que fazem?

Notas:
(1) Fonte: Sinopses Estatísticas da Educação Básica e da Educação Superior, Inep, 2010
(2) Muitos dos argumentos desta seção foram levantados pelo grupo de trabalho de política educacional da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp - Seção Sindical, e divulgados em publicações dessa entidade.

* Otaviano Helene é professor da USP na área de Física. Em 2003, presidiu o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão do MEC.
Este artigo foi publicado originalmente na página do Correio da Cidadania
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7163:manchete220512&catid=71:social&Itemid=180