Posted on 17/07/2012 by literatortura
Primeiro, preciso dizer que o post de hoje possui um tamanho atípico. Por isso dividi o mesmo em tópicos, para facilitar a leitura. Sugiro, obviamente, o acompanhamento de todo o texto, pois há informações valiosas ao longo do mesmo.
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Bem pessoal, desde que essa notícia saiu, tenho feito um levantamento dos pontos mais importantes. Tentei observar várias óticas pra trazer algo mais palpável pra vocês. Acabei angariando um bocado de páginas pra redigir esse artigo. Ainda assim, preciso deixar claro que alguns pontos ficaram obscuros pra mim. Primeiro, não entendia como funcionava a estruturação de carreira de um professor universitário. Pesquisei. Entendi. Ainda existiam vários pontos obscuros. Pesquisei e li sobre a titularidade e dedicação exclusiva às universidades – porque isso afeta tão seriamente a escolha dos docentes e qual o malefício dessa opção. Algumas coisas se esclareceram, mas outras permaneceram obscuras. Li sobre a proposta do governo na ótica do representantes da Greve etc. Percebi, então, que, de início, não fui só eu que fiquei um pouco confuso. Portanto, todo comentário é válido. Ajudar a entender melhor a situação é de extrema importância para podermos tomar posição acerca do que vem sendo feito.
Tentarei aqui, elucidar vários pontos do movimento que está mexendo com a educação do nosso país. Como disse, fiz uma intensa pesquisa, mas que, como qualquer outra, pode conter erros [e aí entra a importância da correção, pra que a informação divulgada não seja errônea].
“PROPOSTA”
A ministra Belchior e uma grande parte da Mídia vem divulgando a proposta do governo como se ela fosse um aumento de 45% para todos os professores. Claro que os jornais minimamente sérios citam que não são todas as categorias etc, mas poucos explicam ao leitor qual a diferença, quem ganha, quem perde. Por isso, primeiro, trarei a proposta do governo como ela tem sido divulgada.
[...] tem como critério o estímulo à dedicação exclusiva e a produção acadêmica nas universidades e escolas técnicas. Por essa proposta, o salário de um professor universitário com doutorado e dedicação exclusiva vai passar dos atuais R$ 11.700 para R$ 17 mil até 2015. Será um reajuste de 45% em três anos.
Para professores com doutorado e pouco tempo de vida acadêmica, o reajuste será de 33%, passando dos atuais R$ 7.300 para R$ 10 mil. Pela proposta, haverá uma estratégia de alongar a carreira do professor universitário com novas faixas salariais. Os professores com mestrados terão reajustes de entre 25% e 27%. Também será estimulada a titulação dos professores de escolas técnicas.
“Essa não é uma proposta para negociação. Essa é a proposta do governo para valorizar a educação”, disse Miriam Belchior ao Blog. Ela lembra, que os professores universitários já tiveram reajuste de 4% esse ano. “Os professores estão no topo da lista de prioridades. Mas houve precipitação dessa greve. Com essa proposta, o governo confia que atende as reivindicações da categoria”.
Assim foi divulgada a notícia por um maiores portais do Brasil: G1
obs: muitos professores tem questionado o número do salário “atual” divulgado. Dizem que uma pequena parcela recebe o número.
COMO REALMENTE É:
Análise do ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior)
“Mais uma vez, a proposta do governo busca constituir discurso propagandístico de que está dando aumento, sobretudo no teto, para tentar minimizar a defasagem comparativa com o teto de outras categorias do serviço público federal. No entanto, de fato, economiza ao máximo no montante global de transferência de recursos para o bolso dos professores, em especial aos que estão abaixo do nível adjunto IV, que são particularmente os professores novos e os aposentados. No caso, o governo tenta praticar uma mini-reforma previdenciária camuflada, específica para os professores que ficam expostos a corrosão inflacionária, sem poder mais ascender na carreira (a imensa maioria ficou retida na classe de professor adjunto IV e, os que se aposentaram em outros tempos, com ou sem o titulo de doutor).”
É facilmente perceptível que a proposta salarial não agradou o sindicato. Mas, para aquele que ainda não entendeu, é complicado e estranho, assimilar que uma proposta de 45% de “aumento” não seja aceita. Por isso, temos visto muitas opiniões equivocadas e pessoas de “Voz” divulgando certos absurdos. Pra se ter ideia, alguns números apontam que apenas 3 à 5% dos professores receberiam esse aumento. Isso por causa do sistema sucateado de hierarquização da carreira. Quando a fala do ANDES diz que os professores ficam “sem poder mais ascender na carreira”, ela não se refere à incapacidade ou desinteresse dos docentes, mas sim a uma “armadilha” da estruturação de carreira que impossibilita os mesmos a progredir. Numa analogia simples: sabe aquelas cenas onde há um gordinho correndo e, pendurado em sua cabeça, uma vara com um pedaço de pernil, chocolate etc na ponta? Justamente. O pernil está ali, mas sabemos que ele nunca irá alcançar. Por quê? Porque há um mecanismo que impossibilita, ou, no mínimo, dificulta. [mais sobre isso abaixo].
COMO ESTÁ SENDO DIVULGADA:
A proposta vem sendo divulgada como o grande chamariz do governo. Isso pela próprias falas da ministra. Vejam só: “Os professores estão no topo da lista de prioridades. Mas houve precipitação dessa greve. Com essa proposta, o governo confia que atende as reivindicações da categoria”. Não é incrível? Uma simples fala pode mudar todo um panorama pra quem não está tão ligado no assunto. É como levar meses pra pintar um quadro e no final, alguém vir e fazer um belo rabisco em cima dele. Poucos olharão além do rastro, poucos olharão no fundo do quadro.
Primeiro, a ministra diz que educação é prioridade. Peraí, prioridade? Depois de 55 dias saiu a primeira proposta. CINQUENTA E CINCO DIAS! Ela veio depois de algumas reuniões adiadas por falta de “agenda”. Aí, quando vem, não foca na principal reinvindicação e faz de conta que oferece uma maravilha. Depois, diz que a greve foi precipitada. Claro, meses depois do governo enrolar pra cumprir as promessas do ano passado, a única atitude possível de ser feita foi precipitada. E pra finalizar, vemos a ministra concluir seu trono de fofura. Afinal, as reinvindicações foram atendidas… Ou, será que não?
REIVINDICAÇÕES PRATICAMENTE IGNORADAS
A reestruturação de carreira é a grande pauta dos professores. Pauta, essa, que parece não ter sido levada a sério por parte do governo. Gostaria de poder divulgar na íntegra a parte do documento do CNG (Comando Nacional Da Greve), no entanto, devido ao seu extenso tamanho, tentarei resumir e linko-o integralmente ao final do post. A leitura é mais do que válida e ajudará a compreender a grande ignorada do governo.
A proposta de estrutura de carreira mantém o mecanismo que impossibilita a ascensão de muitos dos docentes ao topo da carreira. Além disso, propõe que para o professor subir de nível, ele seja obrigado a fazer uma prova controlada pelo MEC. Ou seja, o professor, pra subir de nível, teria que fazer uma prova! Imaginem o MEC [ENEM mandou lembranças] preparando uma prova pros professores. Esse critério é tão ultrapassado e questionável que foi a maior revolta dos professores.
Particularmente, acredito que seja necessária a existência de uma maneira de avaliar o trabalho do docente. Mas, em hipótese alguma, acredito que a saída seja uma prova preparada pelo MEC
“[...] e mínimo de 70 por cento de pontos em avaliação de desempenho individual, condicionada por normas específicas que o MEC irá definir em 180 dias, após a aprovação da Lei;”.
Quem confiaria numa proposta onde você teria de ser avaliado individualmente pelo MEC, sendo que o mesmo nem definiu os parâmetros da prova? Gente, simplesmente não dá. Além disso, a proposta amplia de 18 meses o interstício entre uma etapa da carreira para a outra, para 24 meses. Ou seja, amplia o tempo para que o professor consiga subir de nível. Já imaginou uma proposta onde as coisas ficam piores? É incabível.
Tem mais!
“O aumento que ele concede, de 45%, é para professor titular. Professor titular, hoje, é 5% da categoria, é uma minoria. E esse professor titular, com esses 45% por cento, tirando os 4% que já estão embutidos, teria um ganho real, em 2015, de 5%. Os outros professores não teriam ganhos reais. Ou seja, cairia muito o poder aquisitivo de todos os professores. Tem algumas classes que chegariam a ter perda salarial de 8%.” Marinalva Oliveira, presidente do ANDES.
É importante frisar que nesse comentário, Marinalva incute a inflação [desde o ano em que os professores não possuem reajuste, até o ano de 2015, última parcela para aumento de salário]. Ou seja, considerando a inflação que já aconteceu e a que acontecerá, até a data prevista, os professores não teriam ganho nenhum. Aliás, a grande maioria perderia poder aquisitivo. Esse dado foi simplesmente ignorado pelos ministros.
TÓPICO BÔNUS: Sugiro a leitura para quem tenha interessem saber o motivo de tão poucos professores serem beneficiados pela proposta. Algumas palavras sobre professor titular com dedicação exclusiva. Não é obrigatório pra compreensão da greve, mas, ao meu ver, é bem interessante.
Muitos, como eu, podem questionar o motivo de tão poucos (aprox. 5%) docentes estarem na área de “professor/doutor titular com dedicação exclusiva” [aquela que teria o “super aumento” de 45%]. Pra isso, compilei um breve resumo de alguns ótimos artigos que encontrei [obviamente, linkarei-os abaixo].
É preciso esclarecer que hoje, um professor que está na carreira como associado 4 não quer ou evita ao máximo fazer concurso para titular. Aliás, sobram vagas para professor titular nas universidades federais e o motivo é bem simples: o cargo de titular está fora da carreira! Isso significa na prática: o professor precisa sair da carreira que está (geralmente adjunto) e prestar um NOVO concurso. Assim, corre o risco de perder o regime de previdência para o qual contribuiu! É como se ele zerasse a sua contagem e começasse praticamente do zero! Então, por que o governo ofereceu 45% de aumento para esses professores? Porque eles são pouquíssimos! Veja o exemplo da UNB: ela possui cerca de 2700 docentes e só 117 são titulares! [Retirado dum interessante comentário postado no G1]
Além do professor ser titular, é preciso dedicação exclusiva. Pois bem, leiamos mais sobre isso:
No sistema universitário brasileiro temos três opções de regime [isso é diferente de “níveis de carreira”, que engloba, hoje, um total de 17 etapas] de trabalho para os professores, em número de horas semanais: 20 horas, 40 horas sem Dedicação Exclusiva e 40 horas com Dedicação Exclusiva.
A prática (e também a regra formal) seria a seguinte:
1. 20 horas: o professor ministra duas turmas de 60 horas por semestre. Normalmente é exigida apenas a sua presença na sala de aula e em reuniões oficiais de departamento.
2. 40 horas sem Dedicação Exclusiva: o professor ministra 4 turmas (ou 2 mais a pesquisa). Na grande maioria dos casos no máximo é dado 3 turmas ao docente que não faz pesquisa, e a exigência é a mesma do professor 20 horas.
3. 40 horas com Dedicação Exclusiva: a carga de trabalho é a mesma do 40 horas sem DE, mas não é permitido a este o acúmulo de qualquer outro emprego ou atividade remunerada contínua.
Na prática o regime de 40 horas sem DE praticamente morreu nas Universidades. A grande maioria hoje é de professores em Dedicação Exclusiva, e em muitos casos de 20 horas.
Lembro que “dedicação exclusiva” e ser “professor titular” são coisas diferentes. Aqui estou apenas esclarecendo o motivo de tão poucos professores estarem no grupo dos mais favorecidos pela proposta.
“[...] como pode o Estado proibir a pessoa de utilizar o seu tempo livre além das 40 horas semanais como bem entender, inclusive trabalhando e produzindo? Parece que a dedicação exclusiva tornou-se uma pena imposta ao professor e não uma recompensa, pois, ou o professor aceita o regime de 40 horas com dedicação exclusiva ou é obrigado a trabalhar em regime de vinte horas recebendo uma remuneração ultrajante. E acrescente-se que, se é exigida exclusividade do professor para aquela instituição, que se pague muito bem por ela”.
Por isso a dedicação exclusiva é tão detestada em algumas áreas. Pelo simples motivo de ser necessário o aprisionamento do profissional dentro do casulo da universidade. Isso é ótimo quando o profissional possui condições de trabalho e além disso, seu trabalho “prático” faz parte da universidade. Já imaginou ter aula sobre determinado assunto do Direito que envolve diretamente advocacia com um professor que nunca advogou? Ou, respectivamente, com um arquiteto que nunca projetou? Essa é outra interessante discussão que trouxe em trechos aqui, pra mostrar o quão necessário é essa reforma de carreira!
E claro, pra se enquadrar nesse grupo, ainda existe a necessidade de ter doutorado.
MAQUIAR A SOCIEDADE
Após todas essas amostras, explicações e debates, uma coisa fica evidente. A tentativa do governo é a de pintar pra opinião pública, uma verdade que não existe. Pra isso, dou a palavra, mais uma vez, à presidente do ANDES:
“Ainda não havíamos recebido a proposta, o governo só tinha nos entregado tabelas, não tinha entregado ainda a parte conceitual a ministra Miriam Belchior e o ministro Mercadante estava do outro lado, em outro local, em outro prédio, dando uma coletiva para imprensa, faltando com a verdade, quando dizia que os professores teriam aumento de 45%. E não era verdade aquilo.”
Bem, pra mim, está bem clara a intenção do governo com toda essa divulgação. Dos maiores responsáveis pela greve, espero que mobilizem ainda mais, batam o pé e façam valer a pena esses dois meses que já estamos parados. Sugiro inclusive, o uso das redes sociais. Se a “grande mídia” ignora o lado dos professores, usemos de outros meios pra divulgar essa ótica da história.
Peço também que contribuam com opiniões, comentários, agregando também novas e não citadas [seja por espaço ou por desconhecimento] informações. Sei que o post ficou maior do que o comum, mas, era realmente necessário. Acredito que esse tenha sido um “post definitivo” sobre a greve. Os outros virão pra agregar mais notícias. Além disso, claro, essa é a primeira proposta. O ANDES deu previsão de resposta para o dia 23. Ninguém acredita no fim das greves agora, pois, diz-se que ainda há muita lenha pra queimar. Obviamente, reforço a importância de compartilharmos essas informações. Enfim, espero que tenha sido útil e interessante.